Dra. Maria Beatriz Reinert do Nascimento
Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da SCP
Dra. Lissandra da Silva Mafra Andújar
Presidente do Departamento Científico de Neonatologia da SCP
“Quando fui capaz de participar, fazendo algumas coisas para cuidar dele, comecei a me sentir mãe pela primeira vez”
Jacqueline, mãe do prematuro Chris1
Anualmente, ocorrem mais de cinco milhões de mortes de crianças com idade inferior a cinco anos no mundo, e pelo menos metade delas ocorrem primeiro mês de vida. Ainda que a mortalidade das crianças maiores tenha diminuído cerca de 50% em 20 anos, o progresso na redução da mortalidade neonatal tem sido muito mais lento.2,3
Das mortes de recém-nascidos (RN), 80% ocorrem devido a infecções neonatais ou eventos relacionados ao parto, e especialmente por complicações da prematuridade, que são causas evitáveis através de intervenções eficazes e já comprovadas. Entre os RN que sobrevivem, cerca de 1,3 milhão deles apresentam incapacidade permanente grave, e um milhão têm comprometimento moderado ou leve. E são os 15 milhões de neonatos prematuros os mais vulneráveis e com maior risco de problemas de saúde no curto e longo prazo, resultando em perda de potencial humano, com custos físicos, emocionais e financeiros significativos. Esta situação poderia também ser diferente, se cuidado perinatal de qualidade fosse oferecido a todas as mães e seus filhos.3,4
Curiosamente, as estratégias adotadas para mitigar a disseminação da COVID-19, este grave e complexo desafio sanitário, que em 2020 subverteu a saúde global, parecem ter influenciado positivamente na redução da incidência de parto prematuro em países da alta renda. No entanto, em regiões menos favorecidas, o impacto nos desfechos perinatais foi pior, pois as medidas de quarentena e a priorização do atendimentoà pandemia interferiramcom a atenção básica à saúde reprodutiva, materna e neonatal.2,5
É sabido que o ideal seria a prevenção da prematuridade, através de planejamento familiar, pré-natal adequado e cesarianas bem indicadas, entre outras ações. Entretanto, se o nascimento antecipado é inevitável, a condução acertada do trabalho de parto prematuro, a adoção de estratégias neuroprotetoras e um manejo apropriado durante a primeira hora de vida (“Hora de Ouro”)são fundamentais para aumentar a sobrevida e reduzir o risco de anomalias do neurodesenvolvimento em neonatos pré-termo5,6. Na atenção à saúde dos prematuros, também são decisivos os cuidados específicos, tais como suporte ventilatório e nutricional, tratamento de infecções, prevenção da enterocolite necrosante, retinopatia da prematuridade, hemorragia peri-intraventricular e displasia broncopulmonar, que estão disponíveis nas unidades neonataiscontemporâneas,com suas instalações modernas, equipamentos de alta tecnologia, arsenal terapêutico de última geração e profissionais especializados6,7.
Não pode ser esquecido, todavia, que dar à luz a um recém-nascido pré-termo, que fica hospitalizado por tempo prolongado, frequentemente determina sofrimento aos pais, que precisam aceitar o filho que nasceu antes do tempo, esquecendo-se do bebê perfeito que sonhavam ter. A separação entre mãe e filho – necessária para os cuidados críticos à sobrevivência, a aparência e o tamanho do bebê, a incapacidade de protegê-lo da dor, e as incertezas sobre a condição médica futura do neonato, podem aumentar ainda mais o sofrimento materno8.
Neste contexto, o contato pele-pele acolhedor e natural, como no Método Canguru, oferece segurança, diminui as preocupações e aumenta a participação da mãe nos cuidados, o que melhora o vínculo mãe-pai-bebê e o bem-estar psicológico do casal, com efeitos positivos também para o neonato8.
Integrar o manejo hospitalar clínico da lactação à rotina de funcionamento da unidade neonatal também é importante, pois o fornecimento de leite materno ordenhado é mais do que só nutrição, e pode até ajudar a mãe a lidar de forma prática e positiva com esse nascimento precoce8-10. Como o leite da própria mãe é rico em compostos bioativos, do tipo citocinas, antioxidantes, fatores de crescimento e imunoglobulinas, e as complicações da prematuridade estão relacionadas a um componente de inflamação, ele deveria fazer parte do plano terapêutico do paciente, para ajudar na modulação da resposta inflamatória. Além disso, o leite humano é uma fonte rica em prebióticos e fornece continuamente bactérias viáveis e benéficas ao intestino infantil, o que seria vantajoso para o prematuro, que em geral nasce por parto cesáreo e recebe muitos antibióticos que interferem na sua microbiota, causando desequilíbrio9.
O grande desafio é como realmente apoiar, na prática, uma mãe que queira amamentar seu filho prematuro. Há necessidade de compromisso significativo de cada indivíduo que trabalha com as famílias no espaço da unidade neonatal, para garantir o apoio para o estabelecimento e manutenção da lactação. Informações consistentes, de maneira não coercitiva, sobre a importância do leite materno favorecendo a maturação dos sistemas digestório e imunológico e reduzindo as complicações da prematuridade, bem como o início precoce da extração láctea (até duas horas após o nascimento), o incentivo à colostroterapia, e a continuidade da ordenha mamária frequente são fundamentais. As primeiras duas semanas pós-parto correspondem a um período crítico de “programação” da lactação, durante o qual é preciso que seja atingido um volume de produção láctea diário igual ou maior que 500ml, para que haja mais chance de ocorrência de aleitamento materno à alta hospitalar10.
Não há dúvidas que, além de toda tecnologia e ciência que tornam possível salvar bebês de idades gestacionais cada vez mais precoces, proporcionar às mães oportunidades de envolvimento ativo no cuidado de seus filhos prematuros, pode fortalecer seu papel materno e permitir uma melhor conexão emocional entre eles. Assim, precisamos agir para fazer da unidade neonatal um ambiente ideal para as mulheres e seus recém-nascidos pré-termo.
Referências
1. Shosenberg N, Lennox K. “Dear Parents of Premature Babies: Family Experiences with Premature Birth”. The Canadian Institute of Child Health, 1985.
2. WHO/UNICEF. Protect the progress: rise, refocus and recover. 2020 progress report on the Every Woman Every Child Global Strategy for Women’s, Children’s and Adolescents’ Health (2016–2030). Geneva: World Health Organization and the United Nations Children’s Fund (UNICEF); 2020.
3. Ashorn P, Black RE, Lawn JE, Ashorn U, Klein N, Hofmeyr J, Temmerman M, Askari S. The Lancet Small Vulnerable Newborn Series: science for a healthy start. Lancet. 2020;396(10253):743-745.
4. WHO/UNICEF. Ending preventable newborn deaths and stillbirths by 2030: moving faster towards high-quality universal health coverage in 2020–2025. (Brochure). Geneva: World Health Organization and the United Nations Children’s Fund (UNICEF); 2020.
5. Been JV, Burgos Ochoa L, Bertens LCM, Schoenmakers S, Steegers EAP, Reiss IKM. Impact of COVID-19 mitigation measures on the incidence of preterm birth: a national quasi-experimental study. Lancet Public Health. 2020:S2468-2667(20)30223-1.
6. March of Dimes, PMNCH, Save the Children, WHO. Born Too Soon: The Global Action Report on Preterm Birth. Eds CP Howson, MV Kinney, JE Lawn. World Health Organization. Geneva, 2012.
7. Croop SEW, Thoyre SM, Aliaga S, McCaffrey MJ, Peter-Wohl S. The Golden Hour: a quality improvement initiative for extremely premature infants in the neonatal intensive care unit. J Perinatol. 2020;40(3):530-539.
8. Norén J, Nyqvist KH, Rubertsson C, Blomqvist YT. Becoming a mother – Mothers’ experience of Kangaroo Mother Care. Sex Reprod Healthc. 2018;16:181-185.
9. Walsh V, McGuire W. Immunonutrition for Preterm Infants. Neonatology. 2019;115(4):398-405.
10. Meier PP, Patel AL, Hoban R, Engstrom JL. Which breast pump for which mother: an evidence-based approach to individualizing breast pump technology. J Perinatol. 2016;36(7):493-9.